A Câmara Municipal de Setúbal foi
palco de uma situação inusitada e preocupante na última reunião de câmara,
realizada em 29 de janeiro de 2025. O vereador Pedro Pina (CDU) permaneceu em
absoluto silêncio diante de uma série de questionamentos sobre a legalidade da
sua participação na aprovação de um apoio financeiro de 15 mil euros para a
Associação Unitária dos Reformados, Pensionistas e Idosos de Azeitão (AURPIA),
instituição onde a sua mãe reside.
O caso levanta sérias questões
sobre transparência, ética e cumprimento da legislação administrativa, mas,
apesar da gravidade, o presidente da Câmara, André Valente Martins, limitou-se
a minimizar a situação, declarando: “Não vejo nada de extraordinário”.
O Caso: Apoio Financeiro e
Conflito de Interesses Omitido
Em 22 de novembro de 2023, Pedro
Pina não apenas apresentou como também votou favoravelmente na proposta nº
142/2023/DCDJ/DISOC, que concedeu um apoio financeiro à AURPIA. Durante a sua
explanação, fez questão de enaltecer o trabalho da instituição, especialmente
durante a pandemia, mas omitiu um facto essencial: a sua mãe, Arceolinda Maria
Moreira Fernandes Pina, é utente do lar desde 2019.
A legislação portuguesa é clara
quanto à necessidade de afastamento de qualquer titular de órgão público de
processos administrativos em que haja conflito de interesses, especialmente
quando há envolvimento de familiares diretos.
O Código do Procedimento
Administrativo, bem como o Estatuto dos Eleitos Locais, estabelece que
vereadores não podem intervir em deliberações que possam beneficiar direta ou
indiretamente familiares em linha reta, como pais ou filhos. A documentação
oficial revela que Pedro Pina figura como um dos responsáveis pela sua mãe na
AURPIA e que utilizou, em comunicações com a instituição, o mesmo número de
contacto que usa nas suas funções na Câmara. A concessão do apoio financeiro
foi aprovada por unanimidade e já foi processada em 2023, com verba retirada da
rubrica orçamental 08 040701 2002 A 82.
Silêncio Diante de
Questionamentos Diretos
O escândalo ganhou força após um
conjunto de perguntas feitas ao vereador Pedro Pina durante a reunião de
câmara. As questões eram diretas: ele tinha dívidas com a AURPIA que poderiam
ter sido liquidadas com este apoio? Recebeu alguma contrapartida direta ou
indireta? Por que não informou a câmara de que tinha um familiar na instituição
beneficiada? Considera que agiu com transparência? Já houve outros casos em que
participou de decisões onde poderia haver conflito de interesses?
Diante de todas essas perguntas,
a resposta foi o silêncio absoluto. Pedro Pina não se pronunciou, não
justificou a sua conduta e não tentou esclarecer as dúvidas levantadas por um
munícipe. A sua omissão diante de um questionamento tão sério coloca em causa
não apenas a idoneidade do processo em questão, mas também a credibilidade dos
trabalhos da Câmara Municipal de Setúbal.
Presidente da Câmara Ignora o
Problema e Foge da Questão Legal
Se o silêncio do vereador já era
alarmante, a postura do presidente da Câmara, André Valente Martins, gerou
ainda mais indignação. Ao invés de reconhecer a gravidade do caso e garantir um
apuramento rigoroso dos factos, limitou-se a minimizar a situação, dizendo:
“Não vejo nada de extraordinário”.
No entanto, há muito de
extraordinário neste caso, sobretudo pela ausência de qualquer consideração
legal por parte do presidente. O Estatuto dos Eleitos Locais é explícito ao
determinar que qualquer vereador com um vínculo familiar direto a uma entidade
beneficiada por uma deliberação da câmara deve declarar impedimento e abster-se
da votação.
A conduta de Pedro Pina, ao
participar ativamente da tramitação e aprovação do apoio financeiro, pode
configurar uma violação legal passível de perda de mandato. Quando questionado
sobre o que pretendia fazer diante das denúncias, o presidente da câmara não
anunciou qualquer medida concreta.
Também se recusou a esclarecer se
sabia, de antemão, que Pedro Pina possuía um familiar residente na AURPIA, e
tampouco respondeu se pretendia abrir uma auditoria interna para apurar
possíveis irregularidades. A única reação foi uma tentativa de desvalorizar o
caso e evitar qualquer aprofundamento sobre as possíveis ilegalidades
cometidas.
Munícipes de Setúbal Merecem
Respostas
A postura do vereador Pedro Pina
e do presidente André Valente Martins levanta dúvidas legítimas sobre a
seriedade dos processos decisórios da Câmara Municipal de Setúbal. A
transparência e a legalidade das deliberações devem ser pilares inquestionáveis
da gestão pública, e a omissão diante de questões fundamentais apenas reforça a
necessidade de um escrutínio mais rigoroso por parte da sociedade civil e dos
órgãos de fiscalização competentes.
Os setubalenses merecem saber se
houve ou não um favorecimento indevido, se o apoio financeiro seguiu todos os
critérios legais e éticos e, principalmente, se os responsáveis serão cobrados
pela falta de transparência. Até agora, as respostas não vieram. E o silêncio permanece.
Foto: CM Setúbal