Maria das Dores Meira, ex-presidente da Câmara Municipal de Setúbal e agora candidata independente com apoio do PSD e CDS, está prestes a ser formalmente constituída arguida no âmbito de uma investigação da Polícia Judiciária (PJ) sobre alegadas irregularidades cometidas no exercício das suas funções autárquicas. A notícia foi avançada pelo jornal Público, que detalha os contornos de um caso que ameaça abalar a campanha eleitoral a duas semanas das eleições.
A investigação da PJ
Segundo revelou o Público, a investigação centra-se em dois eixos: as ajudas de custo pagas pela autarquia a Dores Meira e a utilização de cartões de crédito municipais durante o seu último mandato, entre 2017 e 2021.
De acordo com documentação fornecida pela própria Câmara, a ex-autarca recebeu 35.500 euros em ajudas de custo por deslocações em viatura própria que totalizariam 98.500 quilómetros. O problema? As inspeções obrigatórias aos dois veículos registados em nome da candidata — um Mazda de 2008 e um Toyota Celica de 1989 — apontam que, nesse período, ambos percorreram menos de mil quilómetros.
O caso, noticiado igualmente pela TVI/CNN Portugal, levanta suspeitas de falsificação de despesas e abuso de poder.
Deslocações internacionais em xeque
Outro ponto grave destacado pelo Público diz respeito às viagens ao estrangeiro. Inspetores da PJ identificaram várias situações em que Dores Meira terá, aparentemente, estado em “dois locais diferentes ao mesmo tempo”.
Um exemplo: a 23 de março de 2018, reportou estar em serviço no Brasil, mas entre os dias 22 e 25 do mesmo mês também declarou deslocações oficiais a Madrid. Só neste período terá recebido 12 mil euros em ajudas de custo, correspondentes a 146 dias de estadias fora do país.
As atenções recaem ainda sobre a polémica viagem ao Japão em 2018, no âmbito do Clube das Mais Belas Baías do Mundo. O evento tinha apenas quatro dias de duração, mas a comitiva setubalense — composta por sete pessoas, incluindo chefes de divisão da contabilidade, controlo orçamental e desporto — permaneceu em Tóquio durante duas semanas. A PJ quer perceber quem suportou as despesas não cobertas pelo clube e qual a pertinência de tais acompanhamentos.
Auditoria confirma irregularidades
As suspeitas não se limitam à investigação da PJ. Uma auditoria independente, conduzida pela sociedade de revisores oficiais de contas Júlio Alves, Cabral, Saraiva & Associados, a pedido da atual gestão comunista da Câmara, concluiu que Dores Meira utilizou verbas municipais “para fins de natureza pessoal ou recreativa”.
Perante estas conclusões, a candidata anunciou que vai apresentar queixa contra os responsáveis pelo relatório, classificando-o como “encomendado”.
Companheiro também visado
O caso extravasa a esfera estritamente autárquica. O Público avança que o Ministério Público pediu a quebra do sigilo bancário de pessoas próximas de Dores Meira. Entre elas, o seu companheiro, António Manuel Ribeiro, vocalista da banda UHF. Há indícios de discrepâncias entre os rendimentos declarados e os valores movimentados nas suas contas, o que poderá configurar fuga ao fisco. O músico, em declarações ao jornal, rejeitou as suspeitas.
Reações da candidata
Apesar da gravidade das acusações, Dores Meira tem-se mostrado combativa. Em áudio divulgado à comunicação social, afirmou:
“Não cometi nenhum crime, não sou arguida de nada e desconheço que exista processo a meu respeito. Se houver, quero ser ouvida. Quem não deve, não teme.”
À mesma fonte, garantiu estar a ser alvo de “perseguição política em plena campanha eleitoral” e acusou adversários de pressionarem instituições públicas e redações para desgastarem a sua candidatura.
O impacto político
Se vier a ser ouvida como arguida após as eleições, poderá suceder um cenário inédito: Dores Meira regressar à presidência da Câmara de Setúbal já com estatuto de arguida em processos de peculato, corrupção, prevaricação, tráfico de influência e abuso de poder — crimes que a PJ não descarta.
A evolução do processo será determinante não apenas para o futuro político da candidata, mas também para a credibilidade das instituições locais.