Maria das Dores Meira, ex-presidente da Câmara Municipal de Setúbal e agora eleita novamente ao cargo, protagonizou uma das eleições mais polémicas e disputadas da história recente do concelho. Ex-militante comunista durante quase 50 anos e candidata independente com apoio do PSD nacional e do CDS — mas rejeitada publicamente pela concelhia social-democrata local —, Dores Meira regressa à presidência da autarquia sob o peso de graves suspeitas criminais que a Polícia Judiciária (PJ) investiga.
Segundo apurou o Setúbal Notícias, a PJ pretende formalizar a constituição de Dores Meira como arguida já no próximo dia 14 de outubro, no âmbito de um inquérito que apura indícios de peculato, corrupção, prevaricação, tráfico de influência e abuso de poder.
Um regresso sob a sombra da Justiça
As suspeitas que recaem sobre a nova presidente de Setúbal dizem respeito ao seu anterior mandato (2017–2021), quando, de acordo com uma investigação da PJ divulgada pelo Público, a autarquia terá pago 35.500 euros em ajudas de custo por deslocações que, segundo os registos oficiais dos veículos usados pela então autarca, não chegaram a totalizar sequer mil quilómetros percorridos.
O caso, que também envolve utilização de cartões de crédito municipais e viagens internacionais de caráter duvidoso, aponta para um eventual uso indevido de verbas públicas. Num dos episódios relatados, Dores Meira declarou simultaneamente viagens de serviço ao Brasil e a Madrid, recebendo 12 mil euros em ajudas de custo por um período em que as deslocações se sobrepõem.
A polémica viagem ao Japão, em 2018, no âmbito do Clube das Mais Belas Baías do Mundo, também é alvo de escrutínio: o evento durou apenas quatro dias, mas a comitiva setubalense permaneceu no país durante duas semanas. A PJ tenta agora esclarecer quem suportou as despesas adicionais e se houve fundamento para a presença de altos funcionários municipais na deslocação.
Uma auditoria independente da sociedade de revisores oficiais de contas Júlio Alves, Cabral, Saraiva & Associados, encomendada pela atual gestão comunista, reforçou as suspeitas ao concluir que Dores Meira utilizou verbas municipais “para fins de natureza pessoal ou recreativa”. A candidata reagiu dizendo tratar-se de um relatório “encomendado” e anunciou que apresentará queixa contra os autores.
Envolvimento de familiares e aliados
As investigações também alcançam o companheiro da autarca, António Manuel Ribeiro, vocalista da banda UHF. O Ministério Público pediu a quebra do sigilo bancário do músico por suspeitas de discrepâncias entre rendimentos declarados e movimentações financeiras. Ribeiro nega qualquer irregularidade.
Discurso populista marca a noite eleitoral
Apesar das investigações em curso, Dores Meira saiu vencedora das eleições municipais realizadas no dia 12 de outubro, com o seu movimento “Setúbal de Volta” a conquistar 16.524 votos, superando o Partido Socialista, que obteve 15.186 votos. O Chega alcançou 9.983 votos e a CDU — antiga força dominante na autarquia — ficou reduzida a 6.316 votos, elegendo apenas o ex-presidente comunista André Martins.
A nova composição camarária reflete uma governação frágil e fragmentada: Dores Meira assegura 4 mandatos, o PS também 4, o Chega 2 e a CDU 1, criando um cenário de difícil gestão e exigindo uma capacidade excecional de articulação política.
Num discurso de vitória marcado por um tom populista e retórica semelhante à utilizada por André Ventura, líder do Chega, Dores Meira afirmou:
“Setúbal está de volta — e voltará a estar limpa, cuidada e no caminho do desenvolvimento. Obrigada, Setúbal, pela confiança. Não vos irei desiludir.”
Um futuro incerto
O contraste entre o discurso triunfalista e as graves acusações que pairam sobre a nova presidente acentua a incerteza quanto à estabilidade política do município. Fontes próximas da investigação garantem que Dores Meira será ouvida pela PJ ainda esta semana e poderá ser formalmente acusada nas próximas semanas.
Caso isso aconteça, Setúbal poderá assistir a um cenário inédito: uma presidente em pleno exercício de funções responder judicialmente por crimes de natureza económico-financeira e de abuso de poder.
A eleição de Dores Meira, que regressa à liderança da Câmara depois de três mandatos consecutivos, marca um ponto de viragem no panorama político local — e um teste à maturidade democrática dos setubalenses, que decidiram, nas urnas, devolver o poder a uma figura que, embora carismática, está sob os holofotes da Justiça.
 
											



 
								







 
											

